Não encarar a finitude é antropológico. É um estado de sobrevivência ilusória
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Não sou filosofa, nem do marketing, nem mesmo da área comercial, nem professora de educação física.
Sou nadadora. E nunca fui olímpica. Não tive nenhum resultado expressivo que me abrisse uma página na Wikipedia. Sou atleta master, 67 anos. Nado e participo de competições há mais de 40 anos. Sempre fui atleta multidisciplinar. E estou em plena saúde. Com um monte de vitalidade irritante.
Não tenho ego inflado justamente por, talvez, nunca ter tido o glamour conferido pelos feitos, pela mídia e pelas empresas. E vivo muito bem, obrigada. Esse não é o sentido de minha vida.
Sou “normal” assim como milhares de outras pessoas como eu. Essas que praticam o esporte todos os dias. Que amam o que fazem. Que fazem a opção de deixar de ir a um restaurante caro para comprar o traje, ou fazer a inscrição para o mundial, ou ainda para pagar o pilates que ajudará a melhorar postura e desempenho.
Sabe o que temos que nos difere dos atletas jovens e dos sedentários? VIVÊNCIA.
Estou “brigando” por uma causa que é minha. Que é nossa.
Recentemente, abri uma empresa – YEROS Master Sports Management. E, também, uma página no Instagram: Rede Mulheres Esportistas.
As duas frentes se sobrepõem. A diferença é que a segunda fala a linguagem das mulheres em todos os tons, modularidades e espaços.
Objetivo: valorizar os atletas master cuja idade vai de 30 a 100 anos, conforme a modalidade esportiva.
Dificuldades culturais, sociais, financeiras e de hábitos arraigados são diárias. Sim, acredito em memória genética. Ela está no nosso dia a dia. E é tão evidente que é invisível, imperceptível.
O Brasil envelhece todos os dias. O IBGE estima que, em breve, seremos uma população mais velha que jovem. E, no entanto, algumas coisas continuam imutáveis.
A sociedade é incapaz de se adaptar à nova realidade que surge. Preconceitos estão em evidência. Etarismo é um deles. Muito se tem falado, mas pouco se tem feito – na atitude.
Atletas masters é o segmento que mais cresce. E é o mais invisível.
Tenho conversado muito com uma “pá” de gente de todos os segmentos.
Alguém me disse que os masters não precisam ser patrocinados. Que eles são tão somente o instrumento que faz a máquina girar. Como se isso fosse pouco. Ou como se os atletas masters fossem descartáveis, pois há milhares deles que surgirão. Há uma verdade nisso.
Todos seremos masters um dia. Sem exceção. É um caminho inexorável. Sem volta.
O que é importante não é o patrocínio. A dor é a invisibilidade. É o culto à juventude em detrimento da valorização dos atletas masters, independentemente de sua idade.
O olhar é deslocado para o glamour dos atletas jovens. Estes são valorizados. E assim deve ser. Mas essa valorização deve ser dada ao feito deles – aos resultados alcançados. Não à juventude que ainda têm.
Se a juventude é exaltada e a velhice é desprezada, temos um problema a meu ver: a vida não é valorizada.
Qual o sentido da vida quando não se dá valor a ela ao longo de sua própria existência? Ora, então, qual o sentido de comemorar aniversários?
Festejar mais um ano. E depois mais um. E mais um.
Poderíamos comparar a um colar de pérolas. Temos um lindo colar quando há várias pérolas. E quanto mais longo, mais valioso. Assim dizem.
Mas se diminuíssemos o valor das pérolas, não haveria sentido em ter um colar longo. Bastaria um anel…
O mesmo acontece com os mais experientes. E, em específico, com os atletas masters.
Fazemos a roda girar em prol de um mercado que interessa a alguns. Somos usados. Como todos os consumidores. Até aí tudo bem.
O que vejo, porém, é a falta de coragem de o mercado assumir completamente esse percurso inexorável. Aliás, a falta de coragem vem do próprio consumidor. Ou seja, de todos nós.
Quando exaltamos as competições dos jovens e nos esquecemos de fazer o mesmo com os masters, eu diria que preferimos nos enganar.
Sim, ao exaltar a juventude, os que não são mais jovens se espelham no que gostariam que ainda existisse e que perderam. E esse é o caminho sem volta. A juventude não volta. A vida não volta. O relógio só funciona em um sentido.
Mas, nos momentos em que vemos a juventude posta de maneira tão glamourosa, nos transportamos, nos sentimos tal qual. E “nos” mentimos. Lembram das publicidades das marcas de cigarros que colocavam as pessoas em um estilo de vida extraordinário porque fumavam tal e tal marca? Ou daquele cartão de crédito que as coloca em situações tão sonhadas por tantos dentre nós? A ilusão é passageira. A realidade logo aparece. Basta olhar os boletos!
Eis o que acontece quando a juventude é colocada como o objetivo final.
E nos deparamos com situações, às vezes, aberrantes. Mulheres escravizadas desde cedo por padrões de beleza da juventude. Botox, cirurgias plásticas desnecessárias, unhas postiças, seios postiços, cílios postiços, lábios deformados… Homens que se negam a acompanhar as mudanças que a idade impõe.
Quando levantei a bandeira da valorização dos atletas masters, não pensei que a missão fosse tão árdua e solitária.
Ouvi de outra pessoa que nenhuma empresa esportiva colaria sua imagem a velhos. Que os velhos envelheceriam a marca.
Sinceramente, a palavra velho me choca – ela jamais deveria ser usada para uma pessoa ou um ser vivo. Velho é algo sem utilidade, desgastado, sem serventia, trincado – descartável! Uma cadeira é velha, um carro é velho, uma casa é velha. Uma pessoa não é velha. Ela é vivida. Ela carrega experiência, sabedoria, esperteza – VIVÊNCIA ! Veja a palavra – vem de “vida”.
Ora, se as empresas dizem que o mais importante é o valor humano, onde está a coerência em sustentar esse tema quando o que mais fazem é fugir da vida?
A sociedade deveria ter a coragem de encarar a finitude. Com sabedoria.
Inverter todos os valores.
Não vender a ilusão – vender a realidade, vender a vida com saúde.
Mostrar pessoas com vida, com vivência, com anos de experiência. E com muita saúde.
Mostrar aos jovens que a juventude também é finita. Mas que a vida pode ser prolongada de maneira inteligente, saudável e com coerência.
Os jovens devem enxergar nas pessoas VIVENCIADAS como devem fazer para chegar no máximo da idade com o máximo de qualidade de vida. Com saúde. Com bem-estar. Sem ilusões.
A saúde deve ser patrocinada.
A vida deve ser valorizada em todo seu percurso e em seu esplendor.
A vida com saúde deve ser glamourizada.
E os atletas masters são o retrato disso.
Empresas deveriam fazer campanhas com atletas masters. Um monte delas.
Não teriam a imagem envelhecida. Passariam o valor da vida. Fariam da vida o centro da questão. Dariam o verdadeiro sentido aos aniversários. Não venderiam ilusão. Dariam à juventude o verdadeiro valor dos anos e da importância em cuidar deles. Cada vez mais e melhor. Os jovens teriam orgulho dos avós, dos pais e se espelhariam em algo que não é ilusório.
Todos sentiríamos orgulho a cada ano que passamos nesta Terra – com saúde e discernimento. Veríamos a finitude com mais tranquilidade.
E poderíamos sentir melhor a plenitude que a vida nos proporciona e com a qual nos presenteia todos os dias, meses e anos.