As lições de Mohamed Ibrahim no Mundial de Desportos Aquáticos da Coreia do Sul – Por Rede do Esporte
5 anos ago 0
Único atleta do Sudão nas maratonas aquáticas em Gwangju, o nadador viajou sozinho, pagou pelas despesas, chegou em último e foi homenageado com o ouro pelo campeão mundial
“Meu pai me ensinou uma regra para essa vida: sem dor, sem ganho. Cair aqui hoje não quer dizer que eu vou cair amanhã. No próximo Mundial vou fazer melhor” Mohamed Ibrahim, nadador do Sudão
No mundo dos esportes, geralmente não há glórias àqueles que chegam em último. Mas quase sempre há honra. E a história do sudanês Mohamed Ibrahim é prova disso. Quase ninguém além do staff do Campeonato Mundial de Desportos Aquáticos de Gwangju viu quando Mohamed deixou a água na manhã chuvosa deste sábado (13.07), no horário local.
remendo, com semblante cansado, Mohamed Ibrahin, 21 anos, foi o último dos 61 nadadores, de 40 nações, a cruzar o pórtico de chegada da prova dos 5km na baía do Yeosu Expo Ocean Park, na cidade de Yeosu, distante uma hora e meia de ônibus de Gwangju e palco das provas de maratonas aquáticas do Mundial da Coreia. A disputa abriu as competições das maratonas aquáticas no megaevento coreano.
Oficialmente, Mohamed Ibrahim sequer terminou a prova. Na lista oficial, o tempo do jovem sudanês nem foi computado e a informação que constava no lugar onde deveria estar sua marca na prova eram apenas três letras: OTL.
Trata-se de uma sigla, em inglês, para Outside Time Limit, ou Fora do Tempo Limite, que é de 15 minutos além do tempo do primeiro colocado. Ibrahim saiu da água após 1h17min, quase 21 minutos depois do vencedor, o húngaro Kristof Rasovszky, que conquistou o ouro com o tempo de 53min22s1.
Mas se oficialmente a prova para ele não existiu, Mohamed Ibrahim terminou, sim, sua aventura nas águas de baía do Yeosu. E sua lição diz muito sobre o amor do jovem nadador pelo esporte. “Eu nado há cinco anos e esse é o meu primeiro Mundial. Eu já nadei os cinco quilômetros antes, mas foi a primeira vez que nadei fora do meu país. A água estava muito fria para mim e me sinto quase morto agora. Eu acho que até a minha alma está cansada agora”, relatou Mohamed ao deixar a água.
“Eu sei que fiquei em último nessa disputa, mas isso me dá mais força e vontade de seguir adiante nessa prova dos cinco quilômetros”, ressaltou. “Quando terminei a prova, senti uma sensação de liberdade”, continuou Mohamed, único atleta do Sudão a disputar as maratonas aquáticas no Mundial da Coreia.
Longa jornada
Quando “caiu na cama”, às 3h da madrugada deste sábado, no horário local, apenas cinco horas antes da largada para a prova dos 5km, Mohamed Ibrahim estava exausto. Afinal, havia apanhado um avião em Cartum, capital do Sudão, onde vive, treina, trabalha e estuda, e, de lá, desembarcou em Adis Abeba, na Etiópia, de onde, após algumas horas de espera, entrou em um outro avião rumo a Seul. Da capital coreana, ainda apanhou um ônibus até finalmente desembarcar em Yeosu para competir.
Tudo isso pagando do próprio bolso. “Eu paguei por todas as minhas despesas para estar aqui e participar desse Mundial. Para mim era importante. Em meu país sou um dos campeões de natação, mas pago para competir em todos os campeonatos que nado”, revelou Ibrahim.
Esforço recompensado
O campeão mundial dos 5km, Kristof Rasovszky, 22 anos, terminava de dar uma entrevista quando foi abordado pela reportagem do rededoesporte.gov.br, que o contou brevemente a história de Mohamed Ibrahim. Ao saber do esforço que o sudanês havia feito para competir na Coreia, Kristof topou na hora quando foi perguntado se ele poderia ir conhecê-lo e tirar uma foto com Mohamed Ibrahim.
O encontro foi na área dos atletas. Ibrahim terminava de se arrumar quando foi informado de que o campeão mundial queria conversar com ele. E o que veio depois valeu a viagem de Mohamed.
Assim que Ibrahim se aproximou, Kristof Rasovszky apanhou sua medalha dourada e a colocou no pescoço de Mohamed Ibrahim. O jovem sudanês abriu os olhos de espanto e o sorriso veio em seguida. “Eu acho que ela vai ficar melhor em você”, o sudanês ouviu do campeão mundial.
“Fiquei muito feliz em conhecê-lo, porque na verdade a lição do esporte é essa: cada um treina muito, faz o que é possível e dá tudo o que tem na água ou em qualquer outro esporte”, destacou o campeão mundial. “Nas maratonas aquáticas cada atleta que participa de um Mundial é um campeão. Acho que essa é a verdade. É bom saber que ele estava lá, sozinho, na última posição, mas que não desistiu e seguiu até o final. Ele chegou em último, mas, para mim, é realmente um campeão, como eu sou ou qualquer outro que está aqui neste Mundial”, afirmou Rasovszky.
Sonho olímpico
Na Coreia, Mohamed Ibrahim realizou seu sonho de disputar um Campeonato Mundial. Mas ele quer mais. “Eu espero um dia estar nos Jogos Olímpicos. Se não for em Tóquio, no ano que vem, quem sabe no próximo, em 2024”, disse.
Quando está em Cartum, Ibrahim tem uma rotina agitada. “Faço faculdade e estudo economia pela manhã. À tarde, trabalho em alguns dias e treino em outros. Em geral, treino três vezes por semana, duas horas por dia. Nos outros dias, trabalho com meu pai, nos negócios dele”.
Mohamed Ibrahin contou que ter se tornado nadador foi algo natural e que sempre gostou de água. “Comecei a nadar brincando na piscina, quando era criança. Todos viram que eu gostava de nadar e meu pai me levou para um treinador. Ele foi me fazendo ficar melhor e então me tornei um atleta”, revelou.
Perguntado sobre as lições que tira deste Mundial, o sudanês respondeu: “Meu pai me ensinou uma regra para essa vida: sem dor, sem ganho. Cair aqui hoje não quer dizer que eu vou cair amanhã. No próximo Mundial vou fazer melhor”.
Após honrar sua participação no Mundial de Gwangju, Mohamed Ibrahim ficará até o dia 18 em Yeosu, onde acompanhará as próximas provas de sua modalidade. A partir de agora, ele tem outros objetivos. “Espero fazer amizade com os atletas e ter mais informações sobre maratonas aquáticas”, contou.
O primeiro amigo ele já fez. Um campeão mundial chamado Kristof Rasovszky.
“É muito bom saber que ele estava lá, sozinho, na última posição, mas que não desistiu e seguiu até o fim. Ele chegou em último, mas, para mim, é realmente um campeão”
Kristof Rasovszky, nadador da Hungria campeão mundial dos 5km
Luiz Roberto Magalhães – de Gwangju, na Coreia do Sul – rededoesporte.gov.br
Foto Mohamed Ibrahim e Kristof Rasovszky: dois extremos nas águas da baía de Yeosu. Foto: Satiro Sodré/rededoesporte.gov.br
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